Psiconlinenews 29-04-2015
Ao longo dos anos muitas vezes me perguntaram qual é a coisa mais prejudicial que um pai pode fazer para um filho. Há muitas coisas prejudiciais que um pai pode fazer, é mais fácil focar o tipo de pai que mais causa dano.
Os pais mais nocivos são aqueles que têm uma necessidade narcisista de pensar em si mesmos como grandes pais. Devido a essa necessidade, eles são incapazes de olhar para a sua condição de forma objetiva. São incapazes de ouvir as queixas de seus filhos sobre suas atitudes.
Esses pais doutrinam seus filhos desde a tenra idade para pensarem neles apenas de formas positivas. Qualquer outro tipo de pensamento é considerado traição à família. Se algum dos seus filhos vem a desenvolver problemas comportamentais, eles veem esses problemas como uma forma de punição. Seu pensamento é: “O que fiz para merecer esta semente ruim?” Nem por um momento consideram a possibilidade de que o problema pode ser o efeito nefasto da forma como conduziu o relacionamento com seus filhos.
Conheci um casal que tinha duas filhas. A filha mais velha não podia fazer nada errado. A filha mais nova não podia fazer nada direito. Ambos os pais lamentavam a natureza problemática da filha mais nova. Para os dois, ela era um espinho ao seu lado e uma vergonha para a família. Quando Mary (o nome que eu vou dar para a filha mais nova) cresceu, ela era sempre comparada desfavoravelmente com a sua irmã mais velha. “Porque você não pode ser como a sua irmã?” Ela era constantemente vista de uma forma negativa. Se ela contasse uma piada, eles riam dela, não com ela, a tratavam como se fosse uma estúpida falando bobagens.
Quando ela era uma pré-adolescente, seu pai, que era um rico magnata do mercado imobiliário, a levou em uma viagem de negócios com ele. Ela ficou lisonjeada por ir junto, porque ele sempre favorecia a sua irmã mais velha. Ele insistiu para que compartilhassem o mesmo quarto do hotel, dizendo que eram da família. Quando ela estava tomando banho, ele entrou e disse que ela não deveria ficar tímida com a sua presença, porque ele era seu pai. Naquela noite, ele insistiu para que ela dormisse na cama com ele e, no meio da noite, ele começou a tocá-la, dizendo que estava tudo bem, porque eram da família.
Quando ela mencionou este evento para sua mãe, ela a tratou como com desdenho, como se ela fosse apenas um criador de problemas, como de costume. “Por que seu pai faria algo assim? Ele é um homem poderoso. Ele poderia ter qualquer mulher que quisesse, mas ele sempre foi totalmente leal a mim. Eu quero que você peça desculpas pelo que acabou de dizer”. Mary cresceu e precisou reprimir este incidente, se tornou uma criança insegura, que duvidava das suas percepções sobre as coisas. Ela permaneceu ligada ao pai e continuou a idealizá-lo, assim como o resto da família. Mas a idealização de seu pai, sua mãe e sua irmã mais velha, a mantinham em uma posição inferior. Seus relacionamentos com os homens foram um desastre, assim como seus relacionamentos com amigas. Ela desconfiava de todos e, mais cedo ou mais tarde, encontrava uma razão para rejeitá-los (uma reprovação simbólica da sua família).
A mãe dessa família era uma escritora que uma vez escreveu um artigo para uma revista de Pais e filhos. O artigo se chamava “Como eu aprendi a me adaptar com a minha filha com ADHD“, e ela afirmou que foi motivada a escrever o artigo para ajudar outras mães com crianças com características semelhantes. O pai foi reverenciado como membro da família e entre amigos pela sua perspicácia empresarial e personalidade. Nenhum dos pais deu importância para o abuso emocional ou sexual da sua filha mais nova. Ambos continuaram a acreditar firmemente que tinham sido ótimos pais, e que a sua filha mais nova estava simplesmente geneticamente danificada e foi uma sorte infeliz na vida ter que se adaptar a ela (ser solidário com suas “artimanhas”). Mas sua simpatia (a pretexto de cuidar) só a prejudicou.
Aliás, a filha mais velha da família acabou se tornando uma mãe narcisista, assim como seus pais foram. Ela cresceu aprendendo que não poderia fazer nada errado e, portanto, não achava que poderia fazer nada errado como mãe. Às vezes, este tipo de característica paternal é passada de geração em geração.
Personalidades narcísicas só conseguem ver as coisas de uma maneira: a sua maneira. E elas são muito boas em encontrar razões que justifiquem a sua maneira. Ou você está com elas ou contra elas. Se você estiver com elas, você poderá compartilhar a sua glória, se você estiver contra e diz algo que elas não querem ouvir, você vai ter a sua ira. A rainha das história infantis, “Branca de Neve”, é um exemplo de personalidade narcisista. O espelho tinha que dizer que ela era a mais bela na terra, e quando ele disse que era Branca de Neve, ela quis matá-la.
Sob o narcisista há uma bolha de inferioridade inconsciente e raiva, que ele encobre através de uma rígida personalidade que não pode ser contrariada.
Pais narcisistas vão de psicólogo a psicólogo até encontrar aquele que lhes diz o que queriam ouvir. O problema nunca é com eles ou seus pais. É sempre atribuída a alguma causa externa, alguma fonte genética, um professor hostil, ou uma vacinação com defeito. Isto não quer dizer que a genética, ou outros factores, não desempenhem um papel importante no desenvolvimento. Mas a relação com os pais é o fator primordial, que forma a base da nossa personalidade. Com pais narcisistas nunca será.
Este tipo de pai e mãe é o mais prejudicial, porque eles prejudicam seus filhos enquanto parecem ter as intenções mais acertadas. O abuso emocional que tais pais fazem aos seus filhos é difícil de ser detectado pela criança, o que torna a situação ainda mais desastrosa.
Gerald Schoeewolf em PsyhCentral