Quando a mãe desaparece com um filho

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Visão 18-12-2016 - Quando a mãe desaparece com um filho: a história da "bomba nuclear" na vida deste pai 

Alexandre Azinheira tem a guarda do filho. Mas não o vê há sete anos. A mãe fugiu do País e foi acusada de subtração de menor. Em 2015, houve 249 casos idênticos. O que pode um pai?

Alexandre Azinheira, 45 anos, esteve a última vez com o filho numa praça de Santarém.

Brincaram com o avião de comando à distância e nunca mais se viram. Ele não sabe do menor desde 5 de fevereiro de 2009. A mãe saiu do País em 2010, ano em que o tribunal atribuiu a guarda da criança ao pai. A sentença continua por cumprir. "Isto foi uma bomba nuclear na minha vida", lamenta o realizador, premiado na cena musical e artística.

O filho, hoje com 13 anos, nasceu quando o casal já estava separado. Profissional reconhecida na área teatral, a mãe teve a guarda do menor desde a nascença, mas a juíza Laura de Simas considerou as atitudes dela "altamente perniciosas para o são desenvolvimento físico, psíquico e afetivo do menor (...) A segurança, a saúde, a educação [da criança] estão em perigo", alertou a magistrada. Segundo os termos da sentença de 102 páginas lavrada no Tribunal de Santarém a 24 de outubro de 2010, a mãe recorreu a "reiterados obstáculos" para impedir o acesso do pai ao filho. Proibiu visitas no infantário, retirou o menor do colégio ao fim de três meses, desligou telemóveis e mudou de residências, sem aviso prévio. Condenada por incumprimento das responsabilidades parentais, falhou conselhos familiares, conferências de pais e o exame pericial de psicologia forense. O relatório social atribuiu-lhe "discurso verborreico, com humor disfórico, pensamento saltitante com avanços e recuos". O tribunal e a polícia tentaram contactá-la nas moradas que foi dando. Em vão.


CASA-ABRIGO E FUGA

Denunciado pela ex-companheira, o pai foi acusado de abusos sexuais ao filho.

Ilibado em 2009, o tribunal criticou os "contornos preocupantes" da atitude materna "quando em causa está uma matéria tão sensível e acusações de natureza muito grave contra o progenitor, cujo suporte factual não oferece fundamento para as mesmas". A mãe atribuíra-lhe ainda distúrbios mentais, consumos de álcool e drogas. Mas os exames revelaram personalidade normal, sem vestígios de opiáceos, cocaína e canabinoides. O pai demonstrou "maturidade, discernimento, organização e colaboração para o equilíbrio do menor", dedicando-se "incessantemente a encontrar soluções de bom senso", com a progenitora. Para o tribunal, perigoso é o "absoluto desconhecimento" das condições de vida, físicas, psicológicas e paradeiro do menor desde que a mãe saiu do radar das autoridades.

De novembro de 2009 a 4 de fevereiro de 2010, a mãe escondeu-se com o filho na casa-abrigo da Associação de Mulheres contra a Violência (AMCV). Ao tribunal, ela mandou dizer que entrara "na clandestinidade".

O contacto com instituição fora-lhe recomendado por Pedro Strecht (pedopsiquiatra da criança), pela psicanalista Maria do Carmo Lima e pela jornalista e amiga Fernanda Câncio. As duas últimas negam ter avalizado a ida para a casa-abrigo: "A questão nunca me foi colocada, nem a atividade da associação se resume a isso", reage Câncio. "Referi uma organização que podia ouvi-la e aconselhá-la naquilo que ela caracterizava como uma situação de violência contra ela e o filho." A mãe alegou ser vítima de agressões físicas, nunca provadas. A AMCV acolheu-a "por motivos de segurança" e "necessidade premente" de proteger a criança "daquele pai abusador". Margarida Martins resumiu a prática dos peritos da associação a que preside: "O agressor é descrito num auto pela vítima para se aperceberem do grau de perigosidade, confiando naquilo que as vítimas descrevem." Para a juíza, a associação atuou "à revelia de uma decisão judicial [de] que tinha conhecimento" e "fazendo tabula rasa de quaisquer outros factos". O pai fora ilibado de "abusos sexuais" e as ações da AMCV "muito surpreenderam o tribunal".

Na verdade, "comparar a situação da progenitora e do menor com aquela que sofrem todos os dias muitas mulheres e crianças neste país, traduzidas em brutais agressões físicas e verbais contra os mesmos, parece-nos (...) preocupante".

O tribunal sugere existir, por parte da AMCV e organizações similares, uma prática controversa. "O que se estranha é o facto de serem cumpridoras de decisões judiciais auxiliando os tribunais em situações como aquelas que a associação pretende proteger e contudo, por razões que desconhecemos, essas decisões, noutras circunstâncias, não terem qualquer peso!" A postura de Pedro Strecht no processo foi também censurada pela juíza.

A sua imparcialidade "ficou comprometida pelas observações pouco objetivas que proferiu". Transmitiu "factos [de] que não tem conhecimento direto" e "não primou pela isenção, antes tomando posição parcial, comportamento que muito entristece o tribunal, reconhecidos que são os seus deveres e capacidades profissionais".

Laura de Simas recorreu a passagens de livros do pedopsiquiatra, notando contradições entre o teor das obras e as teses defendidas em tribunal. Pedro Strecht e Margarida Martins não responderam aos contactos da VISÃO.


FUGA PARA MOÇAMBIQUE

O pai alertou as autoridades para o perigo de fuga da mãe do País em 2009.

A criança obteve passaporte no início de 2010 e, em maio, ao atribuir a guarda do menor ao progenitor, o tribunal ordenou, "com caráter de urgência", que se oficiassem aeroportos e transportes marítimos para apurar se mãe e filho haviam viajado, e para onde.

Alexandre recorreu à Autoridade Central (AC), no âmbito da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. A entidade responsável pela cooperação internacional na localização e regresso voluntário de crianças informou, em outubro de 2010, que ambos residiam em Portugal. "Errou", garante o pai: "O que descobriu foi a inscrição que fiz do meu filho num colégio em Lisboa quando ganhei a guarda." A partir de pistas fornecidas pelo pai, a Polícia Judiciária (PJ) confirmaria, mais tarde, que a mãe, afinal, estaria no seu país de nascença. "Moçambique não é parte em nenhuma das convenções de Haia [1980 e 1996], impedindo, deste modo, o exercício de direitos ao abrigo das mesmas, designadamente o regresso da criança em caso de deslocação ilícita", explica António José Fialho, juiz de ligação da Rede Internacional de Juízes da Conferência de Haia. A cooperação jurídica e judiciária pode acionar-se mediante processo próprio junto de tribunais daquele país, mas "o decurso do tempo sobre uma eventual situação de deslocação ou de retenção ilícita da criança num Estado estrangeiro tende a perpetuar a decisão e complicar ou impossibilitar um regresso ao Estado de origem", refere o magistrado. O jurista moçambicano Virgílio Carvalho reforça: no território, "há mais inibições de saídas de crianças e menores do que entradas".


NÃO HÁ FINAIS FELIZES

A 16 de janeiro de 2014, o Tribunal Judicial de Santarém pronunciou a mãe pelo crime de subtração de menor (pena até dois anos de prisão ou 240 dias de multa).

A arguida "apropriou-se do seu filho e subtraiu-o à supervisão dos tribunais e das autoridades competentes, removeu-o da escola e separou-o completamente do seu pai", reza o despacho.

A 26 de abril de 2011, o Ministério Público (MP) acusara também a mãe de dois crimes de denúncia caluniosa. Na base da decisão estiveram os "falsos" abusos e o facto de a criança ter sido incentivada a repeti-los "perante polícias e autoridades judiciais". O tribunal, porém, não viu razões para pronunciar a progenitora.

"Este caso sensibilizou-me muito", reconhece, ainda assim, a procuradora Maria das Dores Pereira, autora do despacho do MP. "Senti uma proteção especial à mãe por parte de várias instituições, sem aparente razão legal. A atitude da AMCV foi lamentável, recusou informações.

Dececionou-me ver que se formam juízos com muita leviandade, sem cuidar da exigência em relação aos factos", assume a magistrada, resumindo a sua visão do caso: "Quando a mãe viu que as suas versões não tinham acolhimento nas instâncias judiciais, escondeu-se na casa-abrigo e depois fugiu", afirma. "Tentei localizá-la, falei com familiares e até com o seu advogado. Sugeri-lhe suspender o processo se ela trouxesse a criança. 'Nem pensar!', respondeu-me". Rui Patrício, defensor da mãe, recusa abordar o caso em público. Prefere "deixar a discussão para os processos porque é aí o sítio próprio e porque a delicadeza dos temas e a proteção do menor aconselham especial reserva e prudência". Alcide Gaspar, advogada do pai, admite a frustração: "Luta-se muito, mas o Estado parece de mãos atadas", diz, lamentando o facto de o seu cliente "ter sido acusado sem provas e continuar sem acesso à criança, mesmo tendo a guarda".

Em janeiro, Alexandre juntou segunda perda à ausência do filho: a morte do pai, Jaime Azinheira, prestigiado escultor portuense.

"Depois do natal de 2008, nunca mais viu o neto." Neste caso, magoou-o, sobretudo, o comportamento da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santarém, da Autoridade Central e os termos "chocantes" do interrogatório da PJ ao filho. Promete, por isso, processar o Estado. Apesar das informações confirmadas pelas autoridades nos últimos anos, a pronúncia da mãe por subtração de menor continua em aberto, à espera da comunicação oficial do paradeiro. Os prazos renovam-se a cada seis meses e assim aconteceu, de novo, a 27 de setembro.

"Não há finais felizes", resume o pai.

"Ao fim de sete anos sem vê-lo, não quero o meu filho a qualquer preço. Regressando, terá de ser apoiado e acompanhado a vários níveis." Quanto ao resto, garante: "Já disse que sou contra a prisão da mãe.

Terá de ser o nosso filho, um dia, se quiser, a decidir se nos perdoa por ambos termos sido parte ativa deste conflito".

Respeitando o Código de Conduta da VISÃO, os nomes do menor e da mãe foram propositadamente omitidos


CASOS E PRESUNÇÕES

Foram 249 os casos semelhantes ao de Alexandre Azinheira que, em 2015, entraram na Autoridade Central (AC, Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais). O organismo atua em situações de "crianças raptadas ou retidas contra a vontade de um dos detentores das responsabilidades parentais, através de pedidos de regresso a território nacional ou ao território de outro país", mas o total de situações reportadas ultrapassa as competências daquela entidade. No ano passado, foram reencaminhadas para outros órgãos 33 situações fora do âmbito de atuação da AC, entre as quais casos de crianças desaparecidas.

A entidade, contudo, não revelou dados sobre o género do queixoso nos processos que tem em mãos.

Nos tribunais, entretanto, assiste-se a mudanças no sentido de considerar os pais tão aptos quanto as mães para cuidar dos filhos. "Cerca de 80% das guardas ainda são atribuídas às mães, mas há uma evolução", garante Celina Manita, do Gabinete de Estudos e Atendimento a Vítimas, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. "Para avaliar o papel que os pais querem assumir na vida dos filhos não bastam as decisões finais. É preciso saber quantos homens pediram a guarda.

Mas existe uma lacuna, o sistema ainda não faz esses registos", explica. Num estudo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, da autoria de Cláudia Figueiredo, e publicado no ano passado, considera-se ser tempo de "afastar presunções antigas e, muitas vezes, infundadas" nestas matérias. Os estudos contemporâneos e a evolução social sustentam que "ambos os progenitores" são capazes de exercer igual interação com os filhos, "não fazendo mais sentido que o critério da preferência maternal assuma relevância bastante para determinar de maneira cega a residência do menor junto da mãe". A autora considera "a participação de ambos os progenitores na vida de uma criança como ideal para o seu harmonioso desenvolvimento".

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